Paixão



Supõe que de uma praia, rocha ou monte, 

Com essa vista embaciada e turva 
Que dá aos olhos entranhável dor, 
Tinhas podido ver transpor a curva 
Pouco a pouco do líquido horizonte 
A barca saudosa que levasse 
Aquele a quem primeiro uniste a face 
                E o teu primeiro amor! 


...

...


Depois, que toda mágoa e saudade, 

Da mesma rocha ou alcantil deserto, 
Olhando avidamente para o mar... 
Vias na solitária imensidade 
Vagas ficções de um pensamento incerto 
Surgir das ondas, desfazer-se em espuma, 
Não alvejando nunca vela alguma... 
                E sempre a suspirar! 

Até que à luz de uma intuição sublime 
De alma arrancavas o gemido extremo 
De saudade, desespero e dor!... 
Pois é assim que eu sofro, assim que eu gemo, 
Que nuvem negra o coração me oprime, 
Nuvem de mágoa, nuvem de ciúme, 
Em te não vendo à hora do costume... 
      Meu anjo e meu amor! 


João de Deus



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